Repensando Conselhos Clássicos Sobre Relacionamentos Abusivos

Relacionamentos abusivos são um tema que merece atenção e acolhimento. Muitas vezes, as vítimas se sentem perdidas e sem saber como agir frente a uma situação tão opressora. Nos últimos anos, discutiram-se muitas dicas e conselhos sobre como lidar com esses relacionamentos, mas é fundamental repensar essas orientações à luz da experiência de quem realmente viveu na pele esse tipo de dor. Neste post, refletiremos sobre algumas dessas orientações clássicas e como podemos abordá-las de maneira mais eficaz.

1. “Deixe o relacionamento se esfriar”

Um conselho bastante comum é sugerir que a pessoa se afaste temporariamente da situação para refletir. Embora haja algum valor nessa ideia, afastar-se em um relacionamento abusivo pode ser arriscado, especialmente quando o parceiro narcisista tende a intensificar o controle e a manipulação. É essencial entender que essa distância pode ser desaproveitada ou utilizada para que o agressor vença a vítima através de manipulações emocionais ainda mais profundas.

2. “Converse abertamente com seu parceiro”

A comunicação é frequentemente considerada a chave para a resolução de conflitos. No entanto, nos relacionamentos abusivos, a comunicação pode se transformar em uma armadilha. Um parceiro narcisista pode se aproveitar de momentos de vulnerabilidade para desacreditar as preocupações do outro, realizando uma inversão de responsabilidade que deixa a vítima ainda mais confusa e isolada. É importante lembrar que comunicar-se sobre abuso não deve nunca ser interpretado como um convite à discussão. A segurança deve ser a prioridade.

3. “Tente entender o ponto de vista dele(a)”

Essa abordagem sugere empatia, mas não deve ser aplicada indiscriminadamente em um relacionamento abusivo. Por mais que a compreensão mútua seja benéfica em muitos contextos, em casos de abusos, isso pode resultar em justificação do comportamento do parceiro. Focar no seu próprio bem-estar e na defesa dos seus limites é mais válido do que tentar entender uma lógica que não faz sentido e que, muitas vezes, serve apenas para perpetuar a manipulação e o sofrimento.

4. “Ame-o(a) mais e tudo ficará bem”

Esse é um dos mitos mais prejudiciais que existem. A ideia de que o amor pode curar uma situação de abuso é problemática. O amor verdadeiro deve ser reciprocamente respeitoso e saudável. Tentar “consertar” alguém ou um relacionamento tóxico com amor é um caminho perigoso, que raramente traz os resultados esperados. Em vez de investir em um amor que não é correspondido, a pessoa que está vivendo a situação deve buscar apoio emocional e físico para se libertar do ciclo abusivo.

5. “Ele(a) não é malvado(a) – ele(a) só precisa de ajuda”

É comum que as vítimas justifiquem os comportamentos de seus parceiros, tentando acreditar que, no fundo, eles são boas pessoas que apenas enfrentam problemas. No entanto, isso pode ser uma forma de minimizar a gravidade do abuso e se engajar em uma negação que não leva a lugar nenhum. É importante reconhecer que a responsabilidade pelo abuso é exclusiva da pessoa que o perpetua, independentemente das circunstâncias. Crescer em um ambiente familiar conturbado ou lidar com traumas passados não justifica comportamentos abusivos.

6. “As coisas vão melhorar” ou “Isso é só uma fase”

Essas afirmações são expressões da esperança que muitos mantêm em situações difíceis. Entretanto, a realidade dos relacionamentos abusivos é que, na maioria das vezes, eles se tornam cada vez mais deteriorantes. O ciclo de abuso pode seguir o padrão de tensão, explosão e lua de mel, tornando-se cada vez mais difícil de escapar. Aceitar que a dinâmica atual não irá melhorar é um passo essencial para buscar mudanças e se libertar de relacionamentos tóxicos.

7. “Você precisa ser mais forte” ou “Você precisa se valorizar mais”

A ideia de que a vítima é fraca ou não se valoriza pode ser prejudicial e acusatória. Muitas pessoas que vivem relações abusivas são extremamente fortes, mas, por estarem em um ambiente de controle e desvalorização, acabam internalizando a crença de que são indignas. O foco deve estar na construção de uma rede de apoio e na promoção da autoconfiança, não na responsabilização pela falta de coragem. A força não é uma questão de luta interna, mas sim de encontrar e reconhecer os próprios valores e direitos.

8. “Volte seu foco para atividades pessoais”

Enquanto focar em atividades pessoais pode ser uma forma de autocuidado, isso não deve ser visto como uma solução para os problemas no relacionamento. Buscar hobbies e conexões sociais não é suficiente para lidar com o traumático impacto de um relacionamento abusivo. É essencial, sim, que a pessoa procure apoio profissional e ajudas específicas que a ajudem a lidar com a dinâmica abusiva e a romper com ela de forma eficaz.

9. “Relacione-se com amigos e familiares”

Conectar-se com amigos e familiares é uma sugestão valiosa, mas que pode ser desafiadora. Muitas vítimas de abusos se sentem isoladas, e os parceiros controladores podem até tentar cortar essas relações. A abertura para redes de apoio sociais é crucial, pois ajudam a pessoa a perceber que não está sozinha, que existem outros caminhos e a possibilidade de redescobrir a força pessoal. Buscar ajuda profissional deve ser complementada por um suporte social real e genuíno.

10. “Saia o quanto antes”

Embora a urgência em sair de um relacionamento abusivo seja compreensível, é importante lembrar que as situações são complexas e cada pessoa vai ter seu próprio tempo para decidir. Deixar um relacionamento é um processo que muitas vezes envolve riscos emocionais e físicos. Assim, obter apoio antes e durante a saída — seja por meio de terapias, grupos de apoio ou conselhos de profissionais — é muitas vezes o caminho mais seguro e eficaz.

Repensar os conselhos clássicos sobre relacionamentos abusivos exige uma abordagem mais crítica e sensível à complexidade das experiências das vítimas. É vital que os apoiadores reconheçam que as recomendações que funcionam bem em situações normais podem não ser adequadas para contextos abusivos. A principal prioridade deve ser a segurança, o respeito aos limites pessoais e a promoção do bem-estar psicológico. Lembrar-se de que se é possível reconstruir a própria vida fora de um relacionamento abusivo é essencial para a recuperação. Crescer, encontrar apoio, ser acolhido e redescobrir a si mesmo são passos fundamentais nessa jornada de libertação.